Durante o FSM (24-29 Jan), redes feministas irão debater a incidência na Cúpula dos Povos, que ocorrerá paralelamente à Rio + 20.
Carmen Silva / SOS Corpo
Trabalho das Mulheres e Justiça Socioambiental. A partir deste tema o movimento feminista estará realizando no Fórum Social Mundial temático em Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro, uma atividade de articulação de redes e organizações de mulheres para promover incidência política do movimento na Cúpula dos Povos, que ocorrerá em meados do ano, no âmbito da Rio + 20.
A Iniciativa tem à frente a AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras, e está sendo puxada pelo SOS Corpo, Cfemea, Coletivo Leila Diniz e Cunhã. A AFM - Articulação Feminista Marcosur, uma das redes que desde o início atua na construção do Fórum Social Mundial, também é promotora desta articulação. O debate que as feministas estão levando para o Fórum, e para a Rio + 20, se propõe a enfrentar o mito da neutralidade da crise ambiental, demonstrando como ela impacta, de forma avassaladora, a vida cotidiana das mulheres e da população negra submetidas às condições de pobreza.
Estamos vivendo, hoje, no mundo de diferentes crises: climática, de alimentos, energética, financeira... O forte no debate do momento é a crise ambiental, que coloca em risco a sustentabilidade da vida no planeta. É, ao mesmo tempo, uma crise do padrão de acumulação capitalista, ou seja, o modelo de desenvolvimento adotado pelos Estados-Nação e pelas empresas capitalistas. Ele é produtor da crise e ao mesmo tempo um produto dela. Embora tudo isso esteja acontecendo de fato, penso que estamos vivendo uma crise civilizatória. O que está em cheque não é apenas o meio ambiente ou a acumulação capitalista, mas todo o modo de produção, consumo e organização da vida social ao qual estamos submetidas.
O modelo de civilização que predomina é o baseado na exploração dos seres humanos e da natureza. A riqueza é apropriada por poucos e se constrói por meio do trabalho e da exploração de muitos, e da apropriação da natureza, sem limites. Este formato é ‘naturalizado’ por processos ideológicos e está diretamente ligado às formas de dominação próprias do sistema patriarcal - sistema de dominação dos homens sobre as mulheres, e do racismo - que confere valor e poder às pessoas brancas e oriundas de países centrais deste modo de desenvolvimento capitalista, em prejuízo às pessoas dos países que foram colonizados, de etnias originárias destes países, ou que são negras, afrodescendentes.
Embora vivamos uma crise civilizatória que diz respeito à toda humanidade, o fato de vivermos num sistema capitalista, patriarcal e racista, faz com que os efeitos não nos atinjam a todos/as com a mesma intensidade. As mulheres, as pessoas negras, indígenas e outros grupos étnicos dominados são atingidos de forma distinta dada a sua situação nas relações de poder na sociedade e as realidades socioeconômicas, territoriais e culturais que vivenciam. Vendo por este ângulo, falar em racismo ambiental significa que as populações negras e indígenas são aquelas mais fortemente atingidas pela degradação ambiental e sofrem as maiores consequências da crise climática.
Nossa crítica feminista, na AMB, tem tomado como referência as ideias sobre patriarcado, as nossas lutas contra os projetos de desenvolvimento e suas conseqüências sobre as mulheres e as nossas experiências com relação às mulheres quilombolas, indígenas e de outras populações tradicionais. O patriarcado, como sistema de dominação dos homens sobre as mulheres em todos os âmbitos da vida, é anterior ao capitalismo e a colonização da América Latina, mas se fortalece com esta forma civilizatória dominante. A crítica feminista a este modo de organização social toma como referência a exploração e a dominação das mulheres perpetuadas pelo sistema patriarcal-racista- capitalista. Também consideramos relevante resgatar que nós, mulheres, individualmente e como sujeitos políticos coletivos, resistimos e lutamos contra este sistema.
No Brasil, o patriarcado e o capitalismo estão completamente articulados desde a ocupação do território pelos portugueses. Ambos se estabeleceram a partir da dominação étnica-racial. Este(s) sistema(s) se retroalimentam, no domínio econômico e político do território, da natureza, dos povos escravizados e/ou dizimados, e em especial, das mulheres. O domínio e exploração da natureza se articulam diretamente com o domínio da força de trabalho humana escravizada, e com a sobre-exploração das mulheres. Para além da exploração econômica, este(s) sistema(s) constitui uma profunda força ideológica de negação da população racializada, seu corpo e seu ser, como humanidade, e gera as condições para a manutenção do racismo na formação social brasileira.
A consequência disso é que hoje somos nós, mulheres, que vivemos as piores condições de exploração, incluindo nossos corpos para fins sexuais, nos territórios de implantação de grandes projetos econômicos. São as mulheres negras, pobres e encarregadas das famílias que vivem nos territórios urbanos submetidos às piores condições ambientais; são as mulheres indígenas, quilombolas e trabalhadoras, que têm menos poder nas organizações políticas e nos processos de negociação com o Estado brasileiro para fins de garantias de direitos e de seu território.
Ainda hoje continuamos sendo colonizadas, nossos corpos, nosso tempo, nossa força de trabalho... Por isso, queremos dialogar sobre nossas vidas, nossas lutas, o mundo que queremos viver e o que nós mulheres feministas, indígenas e não indígenas, podemos e queremos fazer juntas, para transformar o mundos e as nossas vidas.
27 de janeiro de 2012
09h00 | TRABALHO DAS MULHERES E JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL | AMB (Articulação das Mulheres Brasileiras) / AFM (Articulación Feminista Marcosur) | Porto Alegre | Casa de Cultura Mário Quintana |
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